O pesquisador brasileiro diz que as músicas do Iron Maiden permitem uma viagem no tempo - da Pré-História à Guerra do Golfo


O que os pesados decibéis do rock e o extremo rigor das pesquisas acadêmicas têm em comum? Mais do que se imagina, apontam mestres e doutores de universidades de vários países que se reúnem todos os anos na Modern Heavy Metal Conference, em Helsinque, Finlândia.

E neste ano, um dos destaques da conferência foi um brasileiro: o pesquisador Lauro Meller, que em uma palestra apresentou Iron Maiden, A Journey Through History (Iron Maiden: uma jornada através da História), livro em que analisa como a lendária banda britânica narra em suas músicas episódios que mudaram o mundo.

Com quase cinco décadas de palco, o Iron Maiden já foi tema de vários livros focados em sua trajetória e na biografia de seus integrantes. O trabalho do paraibano de 44 anos, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, é inédito ao se dedicar à obra da banda, mais especificamente, a 18 canções que, baseadas em fatos ou personagens históricos, proporcionam uma viagem no tempo - da Pré-História à Guerra do Golfo.

"Primeiro, apresento o episódio que inspirou cada canção, como em uma aula de História. Em seguida, comento como a letra retomou tal conteúdo, com maior ou menor distanciamento dos registros históricos, já que os artistas têm liberdade para criar em cima da realidade", conta Lauro, graduado em Letras e com Pós-Doutorado pelo Institute of Popular Music da Universidade de Liverpool, na Inglaterra.

O pesquisador, que também é músico, ainda mostra como linhas melódicas, arranjos, técnicas vocais, riffs de guitarra e baixo, entre outros ingredientes, potencializam a mensagem de cada canção.

Na "jornada", o leitor ora se sente na pele de um faraó no Antigo Egito revoltado ao se descobrir mortal; ora de um nativo da América do Norte massacrado pelo homem branco; ou, ainda, de soldados angustiados em campos de batalha das grandes guerras mundiais, só para citar alguns exemplos.

"As canções do Maiden são portas de entrada para outros conhecimentos", acredita Meller, que apresentou a versão em inglês do livro para colegas de locais tão distintos quanto Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, Japão e Porto Rico, entre outros, em 27 de junho, primeiro dia da conferência.

Fã de Iron Maiden desde a adolescência, em 2005, Meller apresentou, em um evento acadêmico no Paraná, trabalho em que analisava sete canções da banda com temas históricos. O artigo foi publicado, em 2013, na Revista Brasileira de Estudos da Canção. A ideia de escrever o livro, aprofundando as análises já feitas e somando a elas as de outras músicas, veio no final de 2015.

Na ocasião, o Iron Maiden havia lançado seu mais recente álbum, The Book of Souls, com a faixa Empire of the Clouds - narrativa sobre o acidente com o dirigível britânico R101, uma espécie de "Titanic dos céus", que caiu na França, em 1930, matando as 48 pessoas a bordo.

Instigado pelo fato de a música, de 18 minutos, ser a mais longa já gravada pela banda, Meller decidiu analisá-la, o que acabou originando uma reportagem sobre seu trabalho na BBC News Brasil. "Na época, eu estava escrevendo outro livro, um apanhado de artigos sobre assuntos musicais muito diversos. Um dos capítulos era sobre o Iron Maiden. Com a repercussão da matéria da BBC, suspendi o projeto e aquele capítulo virou o livro todo, o que demandou mais dois anos de trabalho", relembra.

Ao longo da pesquisa, ao escutar repetidas vezes a discografia da banda, o professor constatou que pelo menos outras vinte músicas são baseadas em obras literárias ou cinematográficas como, por exemplo, O Fantasma da Ópera e O Nome da Rosa, entre várias outras. "Meu próximo livro irá abordar esse eixo temático", adianta Meller.

Embora tenha sido escrito por um acadêmico, o livro não é nada difícil. "Não é preciso ter conhecimento musical teórico para ler", pontua Meller. A versão em português estará disponível em breve nos sites da editora Appris e de grandes livrarias. "Para quem quer treinar o inglês, já está disponível a versão internacional", diz o autor.

Finlândia, pátria do heavy metal

A Modern Heavy Metal Conference é o principal evento de pesquisa sobre este gênero musical no mundo. Meller participou do evento pela primeira vez em 2016, apresentando uma análise sociológica de fãs de rock pesado em Natal, no Rio Grande do Norte, onde mora. A ideia de lançar o livro na conferência deste ano foi de seu organizador, o pesquisador finlandês Toni-Matti Karjalainen.

"Este livro sinaliza que o metal está sendo recebido cada vez mais como assunto acadêmico também no Brasil - uma tendência que hoje se observa em todo o mundo", afirma Karjalainen, doutor em Artes e Design que realiza a conferência há quatro anos na Escola de Negócios da Universidade de Aalto, em Helsinque.

Segundo Meller, vários outros trabalhos chamaram a atenção na conferência deste ano. Entre eles, a pesquisa do norte-americano Edward Banchs, por exemplo, sobre a cena heavy metal na África, e a do porto-riquenho Nelson Varas-Diaz, mostrando como bandas na América do Sul utilizam línguas nativas para tornar mais fortes canções que falam sobre a violência dos colonizadores europeus na região.

Não é à toa que a Finlândia é palco do maior evento de estudos sobre metal do mundo. O rock pesado é levado tão a sério por lá que o Ministério de Relações Exteriores local realizou, em junho deste ano, uma competição para escolher o que chamou de "Capital Mundial do Metal", a cidade do país com o maior número de bandas do gênero per capita.

A vencedora foi Lemi, perto da fronteira com a Rússia. O município de 3.076 habitantes conta com 13 bandas: 422,6 para cada 100 mil habitantes. A taxa é oito vezes maior que a nacional. A Finlândia tem uma população de 5,5 milhões de pessoas e cerca de 3 mil grupos de metal, o que equivale a 53,2 bandas a cada 100 mil habitantes, mais que qualquer outra nação do mundo.

"A Finlândia é um país supercivilizado, rico e bem organizado, com pessoas em geral muito recatadas, embora não reprimidas. O fato de ser o país do heavy metal não deixa de ser um contraponto a toda esta racionalidade. O rock pesado é uma forma socialmente aceitável de soltar a agressividade", analisa Meller.

Fonte: BBC

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